Quando falamos sobre crianças autistas em escolas regulares, uma das primeiras preocupações que surgem é a dificuldade de socialização e relacionamento com colegas e professores. Embora o Brasil tenha avançado em políticas públicas de inclusão escolar, o cotidiano ainda apresenta muitos desafios — tanto para as crianças quanto para as famílias e profissionais da educação.
Este artigo convida você a refletir sobre esse tema com empatia, clareza e abertura para o diálogo. Afinal, falar sobre o relacionamento de crianças autistas é também falar sobre o que entendemos como educação, diversidade e convivência.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição neurológica que afeta o desenvolvimento da comunicação, da linguagem, do comportamento e das interações sociais. O espectro é amplo — cada criança autista é única e apresenta características próprias, com diferentes graus de intensidade.
Um ponto comum, no entanto, é a dificuldade de socialização. Muitas vezes, a criança autista não compreende regras sociais implícitas, como fazer contato visual, interpretar expressões faciais ou entender ironias e duplos sentidos. Isso pode gerar estranhamentos por parte dos colegas e até mesmo exclusão.
Apesar dos avanços legais, como a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e as diretrizes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, ainda existe uma grande lacuna entre a teoria e a prática.
A inclusão escolar de crianças autistas depende de vários fatores:
Formação adequada de professores;
Apoio de profissionais como psicopedagogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos;
Planejamento pedagógico adaptado;
Atitudes inclusivas por parte da comunidade escolar.
Infelizmente, muitos professores ainda não se sentem preparados para lidar com as especificidades do autismo. E isso impacta diretamente no relacionamento da criança autista na escola regular, pois ela pode não receber o suporte necessário para desenvolver sua autonomia social.
Para a maioria das crianças, a escola é o primeiro espaço de convivência fora do núcleo familiar. É onde se constroem amizades, aprendem-se regras de convivência e desenvolve-se a empatia. No caso da criança com autismo, esse processo pode ser mais lento e requer mais mediação.
Muitos autistas têm dificuldade de iniciar conversas, manter um diálogo ou entender o ponto de vista do outro. Isso não significa que eles não queiram amigos — muito pelo contrário. Mas a forma como expressam esse desejo pode ser diferente, e, muitas vezes, incompreendida pelos demais.
É comum que essas crianças sejam vistas como “esquisitas”, “isoladas” ou até “mal-educadas”, o que gera exclusão social e, em alguns casos, até bullying.
A inclusão verdadeira começa com o reconhecimento de que todos os alunos são diferentes — e que isso é positivo. A diversidade enriquece o ambiente escolar, promove empatia e prepara as crianças para a vida em sociedade.
Para que a criança autista desenvolva relacionamentos saudáveis na escola regular, algumas práticas podem fazer toda a diferença:
O autista se beneficia muito de rotinas claras, espaços organizados e previsibilidade. Ambientes desorganizados e barulhentos podem gerar crises ou desregulação emocional.
Ao estruturar o espaço e a rotina, a escola cria um ambiente mais seguro para que a criança possa se abrir às interações sociais.
A presença de um mediador (professor de apoio ou cuidador) pode ser fundamental para ensinar habilidades sociais, como pedir para brincar, esperar a vez ou lidar com frustrações.
Além disso, o mediador pode ajudar os colegas a compreenderem o comportamento da criança autista, promovendo empatia e respeito.
Muitas crianças autistas têm hiperfoco em determinados temas. Usar esses interesses como ponte para o aprendizado e as relações pode ser muito eficiente.
Por exemplo, se a criança gosta de dinossauros, o professor pode propor atividades em grupo relacionadas a esse tema, criando pontes de conexão entre ela e os colegas.
A escola deve promover campanhas e conversas regulares sobre respeito às diferenças. O combate ao bullying precisa ser claro, contínuo e apoiado por toda a comunidade escolar.
A inclusão escolar de crianças autistas só é possível quando há diálogo constante entre escola e família. Os pais devem participar do processo, compartilhar informações sobre o desenvolvimento do filho e, sempre que possível, ajudar na construção de estratégias pedagógicas.
Por outro lado, a escola deve escutar a família, acolher suas angústias e trabalhar de forma colaborativa.
Ao abordar a dificuldade de relacionamento de crianças autistas nas escolas regulares, é importante também olhar para a nossa sociedade. Como estamos ensinando nossas crianças a lidarem com o diferente? Estamos valorizando as singularidades ou esperando que todos se encaixem em um mesmo padrão?
A criança autista tem muito a ensinar — sobre sensibilidade, escuta, superação e formas alternativas de se relacionar. Mas para isso, precisa ser aceita como é, e não apenas “tolerada” ou “adaptada”.
A inclusão verdadeira não é fazer a criança autista se moldar ao sistema, mas sim fazer o sistema se abrir para ela.
Uma das maiores riquezas da inclusão é o impacto positivo que ela tem nos colegas da criança autista. Crianças que crescem em ambientes inclusivos tendem a ser mais empáticas, abertas à diversidade e preparadas para o convívio com pessoas diferentes.
Por isso, promover conversas francas e adaptadas à faixa etária sobre o que é o autismo e como podemos conviver com respeito é essencial. A escola pode — e deve — ser um espaço de formação humana, e não apenas acadêmica.
Promover o relacionamento saudável de crianças autistas em escolas regulares é um desafio coletivo, mas também uma oportunidade de evolução social.
Não se trata apenas de incluir uma criança, mas de transformar toda uma cultura de ensino. E isso começa com pequenos gestos, escutas verdadeiras e atitudes empáticas.
A dificuldade de socialização da criança autista não é uma falha — é apenas uma diferença. Quando entendemos isso, abrimos espaço para um novo tipo de educação: mais humana, mais rica e mais justa.