O autismo nível 1, caracterizado por necessidades de suporte leves, costuma ser associado a maior autonomia. No entanto, pesquisas recentes mostram que pessoas autistas, inclusive as de nível 1, apresentam risco aumentado de ideação suicida, automutilação e tentativas de suicídio quando comparadas à população neurotípica. Esse dado tem gerado preocupação entre profissionais de saúde mental e reforçado a importância de compreender os fatores que aumentam essa vulnerabilidade.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) não está diretamente ligado ao suicídio. O risco elevado não vem do autismo em si, mas de uma combinação de elementos sociais, emocionais e ambientais. Entre eles, destacam-se sobrecarga social, rejeição, bullying e dificuldades de comunicação que podem dificultar o pedido de ajuda em momentos críticos. Pessoas autistas de nível 1, por terem maior independência e habilidades funcionais, às vezes passam despercebidas por familiares, escolas e empregadores, o que contribui para que sofram em silêncio.
Um dos fatores que mais influenciam essa vulnerabilidade é o mascaramento social (camuflagem). Autistas nível 1 frequentemente desenvolvem estratégias para imitar comportamentos neurotípicos e se adaptar a ambientes sociais que consideram hostis ou confusos. Esse esforço constante, embora útil externamente, gera exaustão emocional, ansiedade elevada e sensação de não pertencimento. Estudos mostram que o mascaramento prolongado está entre os principais preditores de depressão e ideação suicida em adultos autistas.
Outro ponto relevante é que muitos autistas nível 1 recebem diagnóstico tardio. A falta de compreensão sobre si mesmos durante a infância e adolescência faz com que cresçam acreditando que “são o problema”, aumentando sentimentos de inadequação. Somado a isso, experiências negativas comuns em pessoas autistas — bullying, isolamento social, dificuldades sensoriais e fracassos repetidos em ambientes que não são adaptados — passam a afetar diretamente a saúde mental.
Além disso, muitos autistas nível 1 vivem situações de subdiagnóstico de comorbidades, como ansiedade generalizada, depressão, TDAH e transtornos do sono. Essas condições, quando não identificadas e tratadas, amplificam o sofrimento e elevam significativamente o risco de pensamentos suicidas. Em alguns casos, a dificuldade de expressar emoções ou pedir ajuda faz com que crises emocionais graves não sejam percebidas pelo entorno.
É fundamental destacar que o risco aumentado não significa que o suicídio seja inevitável. Existem fatores de proteção muito eficazes, capazes de reduzir drasticamente essa vulnerabilidade. Entre os principais:
Ambientes seguros e acolhedores, onde o autista pode ser autêntico sem necessidade de mascaramento.
Psicoterapia especializada, preferencialmente com profissionais que entendam autismo na vida adulta.
Tratamento adequado de comorbidades, como ansiedade e depressão.
Rede de apoio fortalecida, incluindo família, amigos e grupos de pessoas autistas.
Adaptações no trabalho e estudos, reduzindo sobrecarga sensorial e social.
Autoconhecimento, que ajuda o autista a entender seus limites e necessidades.
Também é importante reforçar que, em momentos de emergência, buscar ajuda imediata pode salvar vidas. No Brasil, o CVV – Centro de Valorização da Vida (188) funciona 24 horas, oferecendo apoio emocional gratuito. Profissionais de saúde mental devem ser procurados ao menor sinal de sofrimento intenso.
A conscientização é uma das maiores ferramentas de prevenção. Ao entender que autistas nível 1 também têm altos riscos emocionais, familiares, escolas e organizações deixam de subestimar sinais de sofrimento e passam a oferecer acolhimento adequado. O objetivo não é criar alarmismo, mas garantir que pessoas autistas recebam cuidado proporcional às suas necessidades.
Em resumo, o autismo nível 1 não protege ninguém das dificuldades emocionais profundas. Pelo contrário: a combinação de camuflagem, diagnóstico tardio e incompreensão social pode elevar o risco de ideação suicida. Ao oferecer apoio especializado, empatia e ambientes acessíveis, é possível reduzir essa vulnerabilidade e promover qualidade de vida para pessoas autistas em todas as fases da vida.
Autistic people face significantly higher risk of suicide — Cambridge University: https://www.cam.ac.uk
CDC – Autism Spectrum Disorder: https://www.cdc.gov/autism
Organização Mundial da Saúde (OMS): https://www.who.int