Como não tratar um autista: Jovem compartilha vídeos para desmistificar o transtorno

“Eu quero propor novos olhares sobre o dia a dia do autista.”

By Ana Beatriz Rosa

Marcos Petry tem 25 anos e é autor de dois livros – Contos de Meninos e Meninas, Contos de Homens e Mulheres (2016) e Memórias de um Autista por Ele mesmo (2017). Desde os 7 anos ele convive com o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Se, no início, o diagnóstico soou para Marcos e sua família como uma sentença, hoje o jovem faz um trabalho para ressignifica-lo por meio de vídeos compartilhados no canal Diário de um Autista no Youtube.

No canal, o jovem coleciona quase 40 mil seguidores e traz um olhar mais próximo do “mundo interior” do autista ao tratar de temas comuns – como afeto e sexualidade – mas que muitas vezes são estereotipados para quem convive com o transtorno.

“Eu quero propor novos olhares sobre o dia a dia da pessoa autista. Tive uma família que me acolheu e me incentivou sempre. Eu precisava divulgar isso, para que outras pessoas entendessem a importância da estimulação e do empoderamento das pessoas com deficiência”, compartilha Marcos Petry em entrevista ao HuffPost Brasil.

A ideia de criar um canal surgiu do interesse de Marcos pela música. Ele já compartilhava alguns vídeos na plataforma em que executava covers de artistas famosos.

Assim como outros transtornos, um dos sintomas do autismo são os hiper-focos, ou seja, o interesse acima do normal, quase que uma obsessão, por determinada atividade. No caso de Marcos, isso se refletiu em seu interesse pelos sons.

“Meu hiper-foco são os sons, então, tenho despendido bastante energia e tempo para aprender guitarra e piano, além de praticar canto e violão. Outro prática que desenvolvo é estudar idiomas, sou fluente em inglês, alemão e espanhol. Busco ainda, a fluência em italiano e sueco”, disse.

A experiência com os covers serviu para que o jovem de Santa Catarina (SC) descobrisse uma comunidade curiosa e um espaço seguro na internet. Há 3 anos, então, ele compartilha suas reflexões e dicas de como melhorar a interação social com autistas.

Leia os melhores trechos da conversa:

HuffPost Brasil: Quando você percebeu que era autista?

Marcos Petry: A percepção do autismo veio aos poucos, a partir dos sete anos de idade. A princípio as características do Transtorno como estereotipias, ecolalia [repetição de falas, frases e palavras] e até a falta de contato visual eram atribuídas ao quadro de lesão cerebral que eu adquiri logo depois do meu nascimento.

Na escola, tive muitas dificuldades de concentração, de cópia do quadro negro, dificuldades de interagir com os outros. Eu me balançava constantemente e muitas pessoas me evitavam por conta disto. Então, uma amiga da nossa família que estudava psicopedagogia na época interveio e disse que eu podia ser autista.

O tema autismo era pouco conhecido por minha família. Nós resolvemos dar continuidade ao programa de estímulos previsto no método Glenn Doman (o qual vinha sendo aplicado em mim como ferramenta de reorganização neurológica).

Mas como forma de me entender melhor e entender porque eu era tão diferente dos outros, eu procurei a leitura. Foi lendo coisas sobre o autismo que eu reuni as primeiras informações sobre o Transtorno.

Por que você decidiu criar um canal no Youtube para falar sobre o tema?

A ideia do canal veio com o meu gosto pela música. Eu tenho outro canal em que faço covers. Naquele espaço eu tive muitas trocas de experiências, indicações e discussões bem bacanas. Percebi que com esse mesmo espírito de compartilhar eu também poderia também informar e desmistificar o autismo.

Muito me preocupava a situação de famílias recém diagnosticadas com autismo que ficavam sem norte. Senti na pele o vai e vem das sentenças médicas e decidi atuar como alguém que busca as oportunidades em detrimento das especulações e estereotipos em torno do Espectro.

“Eu quero propor novos olhares sobre o dia a dia da pessoa autista. Tive uma família que me acolheu e me incentivou sempre. Eu precisava divulgar isso, para que outras pessoas entendessem a importância da estimulação e do empoderamento das pessoas com deficiência.”

Conta um pouquinho de como tem sido essa experiência. O que você acha do seu relacionamento com os seus seguidores?

A experiência de produzir conteúdo para o Youtube tem sido desafiadora e encantadora ao mesmo tempo. Eu tenho levado a muitos públicos a mensagem de perseverar sempre e de ser empoderado de dentro para fora.

Meus seguidores endossam essa postura do canal com ares de sagacidade e muita sabedoria. Meu relacionamento com eles tem sido muito bom. Uma verdadeira completude, pois na maioria das vezes, por exemplo, as pautas abordadas no canal são propostas deles. Assim também é meu relacionamento com aqueles e aquelas que não me seguem, mas que veem os meus vídeos. Os campos de comentários são bastante convidativos a discussões maduras e frutíferas.

Tenho me surpreendido com tal coisa. Nós aprendemos a nunca baixar a guarda, tomar cuidado com a internet, não confiar no que se diz nela. Mas os comentários nos meus vídeos têm me levado a repensar estes paradigmas. Tenho aprendido muito, espero continuar assim.

Como é ser um homem autista e lidar com os estereótipos atrelados ao transtorno?

Ser um homem autista não é difícil, pois cheguei á conclusão de que o autismo é apenas um jeito diferente de viver e sentir o mundo. Quanto aos estereótipos de autista, eles são muitos e tristemente de fácil proliferação. Lido com isto através do diálogo e da informação. Tenho aprendido que convidar os especuladores e especuladoras a exercitar a empatia é o melhor caminho para mitigar os comentários maldosos. Sim, é complicado acalmar os rumores: “Autista é louco!” “Autista é psicopata!” e outros tantos que dificultam a busca por um lugar ao sol, mas pouco a pouco as pessoas aprendem a rever algumas de suas crenças.

A questão da masculinidade em si foi um pouco mais custosa para eu me entender. O imaginário de homem que estava mais presente, tanto na rua quanto na escola, era aquele em que um macho deve bater na mesa e resolver tudo com os punhos. Então eu olhei para meu pai, um cara que sempre resolvia as contendas da vida com o diálogo, a diplomacia e um pouco de humor.

Em um primeiro momento pensei: “Existe um homem que dialoga aqui em casa, só um!” Mas então eu me dei conta de que um exemplo forte era tudo de que precisava. Meu irmão logo tornou-se exemplo também, pois assim como meu pai ele sempre foi diplomático nas contendas da vida, nunca se impondo, ele prefere propor uma ideia. Aliás, foi meu irmão quem me disse uma vez: “Só precisas de uma ideia para resolver as coisas, uma ideia forte!”

Desde então, tenho utilizado o caráter muitas vezes considerado rompante da masculinidade com um catalisador da diplomacia. Mais do que aprender com meu pai e meu irmão, busco neles apoio e não sofro tanto com as pressões por ser um “pegador” um “garanhão”.

Você tem alguma dificuldade quando o tema é comunicação e expressão?

Minha principal dificuldade no que diz respeito à comunicação acontece quando as pessoas falam muito rápido e fazem as informações ficarem amontoadas demais. Outra dificuldade em matéria de comunicação ocorre quando as pessoas fazem muitas inflexões de voz. Tal coisa atrapalha a assimilação das informações e as vezes atrapalha a concentração.

Mas o contrário também acontece: muitas pessoas vêm até mim com um tom monocórdio achando que assim vão passar melhor o seu recado. Como meu hiperfoco é o som, tendo a ficar “caçando” pequenas variações na voz do interlocutor sem sucesso algum.

Além da comunicação verbal, tanho também dificuldade na comunicação gestual. Não consigo perceber, por exemplo, se alguém está me observando ou me analisando. Tal dificuldade se faz muito presente na paquera. Eu não capto nuances de interesse afetivo nas mulheres. Tudo no namoro teria de ser verbal para eu de fato entender o que está acontecendo. Mas claro, tenho feito progressos através de leituras e de palestras sobre as emoções humanas.

As dicas de Marcos Petry para quem se interessa em conhecer mais sobre o autismo:

Em matéria de canais no youtube eu indicaria dois muito bacanas. Para entender melhor o autismo eu indicaria o canal Mayra Gaiato que aborda o transtorno do espectro autista de modo fascinante, desde definições até terapias de estimulo sensorial.

O segundo canal que eu indico e o da carioca Adriana Fernandes, o Afetoterapia. Apesar de não tratar exclusivamente do autismo, a fonoaudióloga aborda a importância da participação dos pais no desenvolvimento dos filhos o que eu acho de suma importância quando se recebe um diagnóstico, seja de autismo, seja de qualquer outra deficiência.

A série Atypical que a Netflix produziu em 2017 é muito boa por ser simples no que se propõe: Acompanhar um personagem adolescente e autista. A série tem oito episódios e trata dos conflitos e o entendimento do amor. Com uma linguagem simples a série pode cativar os adolescentes a buscar mais sobre o autismo.

Fonte: https://www.huffpostbrasil.com/2018/07/11/como-nao-tratar-um-autista-no-youtube-jovem-compartilha-diario-para-desmistificar-o-transtorno_a_23479535/

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